segunda-feira, 5 de agosto de 2019

"Dans le Café de la Jeunesse Perdue"

Mulligan’s of Poolbeg Street, Dublin in March 1953: Billy Brooks Carter of Texas loved Mulligan’s  so much he requested some of his ashes be kept in the grandfather clock. Every eight days, the staff “wind up Billy”


Há vidas extraordinárias, outras que nada têm de digno ou brilhante, enquanto que muitas são apenas isso, existem, arrastam-se na sua banalidade ébria, nunca estando bem, nem aqui nem ali, nesse contentamento descontente... Vivem?

Mas todas se encontram, de um modo ou de outro, de comboio agasalhados num livro, de carro
embalados pelo canto do mar, ou sós, pelos passos perdidos entoados nas calçadas que para lá caminham.

Entro...
O fumo ascende em espirais, o cigarro descansa no cinzeiro do balcão consumindo-se como um passar de vida lento e escuro. Olhares de esperança vã cruzam-se a medo na penumbra que os vai acolhendo em cada final de tarde frio, final... Os copos, grossos, altos, baços do uso e da gordura das mãos que os levantam em compassos rítmicos apurados e ensaiados por dias com anos dentro de não ter conta.
Gargalhadas ousam ecoar, esporádicas, espaçadas, distorcidas do ambiente que as envolve, soturno,
denso do mesmo fumo que os abraça, difusos ao início de cada noite.

Conversas cruzam-se nesse ar, falares sussurrados, confidências e discussões em línguas proibidas e
gastas como as bocas que as entoam... cânticos religiosamente ensaiados, melodias passadas, hinos, são carregados pela pauta da noite que chegou e pediu um copo também.

Daqui não levas nada... para cá, trazes tudo e de tudo deixas no banco alto a teu lado ou no fundo do copo que entornas por ti numa solidão assistida de consolo fugaz.

Não esqueces, descansas... não perdeste a tua vida, nem os problemas que ela tem, não desapareceram na espuma espessa do liquido negro que te alivia a alma, nem tão pouco no fumo que enche a divisão do cheiro acre que já não sentes.

Elas voltam... voltam sempre, tristeza e solidão abraçadas num compasso de dança em teu redor,
observadas pelo medo que traga dum copo médio o liquido amarelo que o alimenta.

Todos pertencemos aqui, eu, tu, todos, os que sabemos, os que já soubemos e mesmo aqueles que nunca vão saber...

Há noites assim... vamos bebendo, conversando enquanto o fumo dos cigarros se evapora no ar... e a música é cantada em tons lentos... mas a lucidez não nos deixa, nem o álcool inebria ao ponto de... nos perdermos... perdemos sempre...

Há noites assim... não sei se são boas ou más, são o que são tal como a vida é o que é...

A euforia não chega, a alegria não aparece, a vida mantém-se, os sentidos viajam... estás... revisitas sítios e momentos que já não existem, que não tens, esses bancos de bares de canto, felizes na sua sujidade escura, vazios agora, sós... como nós... ruas, esquinas, até casas de banho de ocasião, do momento que recordas em flash, vazias, frias, mas as memórias ficam, sempre... quartos de hotel, restaurantes... dias, noites entre sonhos e realidade... sonhos...

E depois... um olhar, um raio castanho de luz que envolve, que te cerca, por meio do nevoeiro em cortina de fumo, a esperança tímida nesse esgar que julgas não merecer... será...

(Título pedido de empréstimo do livro com o mesmo nome de Patrick Modiano)