domingo, 2 de junho de 2013

SPQL senatus populusque lusitania


Tapeçarias ditas de Pastrana - Pormenor D. Afonso V

   39 anos!
   Passaram 39 anos. Daqui por uns tempos estarão a comemorar tantos anos de vitoriosa democracia como aqueles que se passaram em cinzenta ditadura. Estarão, aquando dessa efeméride, no mesmo tom inflamado a gritar nas mesmas ruas em baixa definição, pessoas já elas cinzentas, 25 de Abril Sempre, Fascismo Nunca Mais...
Para os do costume, estarão de foicinha e punho, chavão fácil na boca, a atirar se por acaso estaríamos melhor na tristonha ditadura desses idos de Portugal a preto e branco?!
E eu não percebo!
 
   A democracia já viveu o suficiente para ser responsabilizada pelos seus actos. A ditadura já o foi, agora deve ser objecto de estudo, sério, para na paleta não ser nem branca, a contento de uns, nem preta, a vontade de outros, mas sim tecida naqueles tons de cinzento, nítidos para que quem a olhe a possa ler em alta definição e não apenas nas convenientes nuances que têm feito o deleite e a cartilha da esquerda nacional.
 
   A ditadura será sempre somente fascista e opressora na pena afiada dos vencedores de Abril, tal como o papão será sempre o Dr. Salazar, o "botas", que vem trôpego e muito velhinho naquele tom bafiento enviar as pessoas para Caxias... buuuuhhhhh. Afinal quem entretece a história, quem a escreve no imediato, quem a lança na linha da frente da propaganda, são os vencedores.
 
   D. Sebastião será, provavelmente para sempre, aquilo que os cronistas e apoiantes de Filipe II de Espanha quiseram que ele fosse... morto, vivo, com vergonha de regressar, maricas, aleijadinho ou com deficiências e incapaz de governar, louco...
 
   António de Oliveira Salazar também. Não foi de certo o anjo salvador e redentor, mas não terá sido o demónio sanguinário dos Rosas e pandilha...
 
   D. Carlos foi o gordo, que se ria da miséria do povo, déspota ao estilo do antigo regime, que só sabia comer e caçar, um asno ignorante, um fraco que apenas governou porque a monarquia impunha a hereditariedade... D. Carlos só foi pintado assim pela propaganda vencedora do partido republicano... por mais ninguém...
Passados mais de 100 anos da sua morte se calhar já o conseguimos, hoje, "pintar" nuns tons de verdade. Até já teve a graça de ser presenteado nessa Vila que ele adorava e onde era adorado com uma estátua, a olhar o mar...

   Mas falta cumprir Abril...
   Lamentavelmente não consigo concordar.
   Abril cumpriu-se, consumou-se em pleno para quem o fez, para quem dele reclamou o triunfo, aclamado e transportado em ovação. Mas porque a generalização normalmente conduz ao erro, talvez não se tenha cumprido para todos os que o fizeram ou a ele se colaram, mas cumpriu-se para os generais (capitães na época) de Abril, para os Soares, Almeidas, Sampaios, Cavacos, Santanas, Socrates, Barrosos e tantos outros patetas alegres que de nulidades assumidas passaram a pais fundadores de uma nação inventada que não se cumpre nem se constrói.
 
   Algo mudou, claro que sim. Coisas que hoje damos por adquiridas e não o eram á 50 anos. Mas se até o Estado Novo legou algumas coisas boas á posteridade, quase quatro decénios de liberdade e democracia também teriam de legar.
 
   Foram quase 39 anos de apatia política, de falta de responsabilidade social, de ignorância democrática que conduziram ao que hoje conhecemos, vivemos e criticamos... mas a democracia não se constrói na rua, não se aprende atrelado aos sindicatos nem ás máquinas partidárias, nem com comentadores que foram governo, que foram presidentes de câmara, que foram filósofos, que voltaram a ser governo para de novo serem comentadores e que nos conduziram a todos a onde estamos agora. Transversalmente da direita á esquerda o sistema está demente, podre, bafiento e nem foi preciso cair da cadeira... aliás não caiu!
 
   A mesma corja de políticos incompetentes, gananciosos, ávidos da coisa pública para proveito próprio que se apoderou do poder com a revolução liberal nos anos 30 do século XIX, é a mesma que governa hoje o país. Foi a mesma que prevaleceu em 1910, é a mesma que fugiu ou colaborou em 1932, é a mesma que ascende de 1974.
 
   Algo de muito mau se verifica quando quase duzentos anos depois se conseguem apontar as mesmas falhas á classe política de um país... Algo de inqualificável existe quando a única diferença entre ler sobre ela em Eça, Ramalho ou no Portugal Contemporâneo de Oliveira Martins e a realidade dos nossos dias, é a sua data de publicação...
 
   A memória curta, a par de alguns (muitos) outros defeitos, é um dos nossos mais graves problema com fundas raízes sociais. Chamo-lhe memória curta para não chamar ignorância consciente.
Pior, a rápida condenação dos figurões políticos na praça pública é sempre seguida de uma ainda mais rápida absolvição. Imaturidade infantil.
 
   Aqueles que dizem que nos governam, governam-se a eles próprios não a nós. Por certo desconhecem que a res publica, era na sua origem e fundamento a "Coisa Pública". Aqueles que nela governam, são mandatados por todos para a gerir em prol de todos, não de si mesmos. Mas tão grave é quem lá está não o fazer, como quem lá os colocou não os saber lembrar disso.
 
   Não atravessamos apenas crises económicas, atravessamos essencialmente crises de valores, crises de Ser. Invertemos tudo. Quem deveria servir, mandatado para isso, ao invés serve-se e banqueteia-se no cadáver moribundo.
 
   E isto é o pior que uma democracia pode ter, uma sociedade incapaz de fazer escolhas conscientes e sustentadas! Uma sociedade incapaz de fazer escolhas. Só isso explica este rotativismo ignorante que implantámos na nossa peculiar agenda democrática depois de 1974. Começamos agora, tristes quase cinzentos na era digital, a querer despontar, a querer perceber... a querer pensar! Será???
 
   Só poderei optar conscientemente, só poderei minorar o erro na escolha se conseguir diminuir a margem de manobra do dito erro. Isso consegue-se com conhecimento. Quando tenho duas opções, mais possibilidades tenho de fazer uma boa escolha quanto mais conhecimento tiver reunido sobre as opções que estão a escolha!
 
   As opções de escolha que garbosamente nos fazem encher a boca republicana e democrática são falácias. Gritamos a plenos pulmões que não queremos uma monarquia moderna, constitucional, democrática, em Portugal porque a hereditariedade que lhe está subjacente é uma afronta á nossa liberdade de escolha, á nossa sacrossanta liberdade de escolher o nosso chefe de estado...
MENTIRA! A nossa liberdade de escolha eleitoral democrática não existe pois se a monarquia se verga ao peso basilar da hereditariedade, a democracia republicana verga-se ao número da maioria, ás máquinas dos partidos e dos grandes interesses  e grupos económicos que os sustentam... Onde está a liberdade de escolha então? na letra da lei, na letra dos manuais pelos quais todos emprenhamos de promessas vazias, ocas e desmedidas, pelas quais hoje somos obrigados a dar tudo o que já não temos...
 
   Um país que se ignora nunca saberá viver em nada, seja Republica ou Monarquia, democracia ou ditadura. Se uns culpam o Estado Novo por ter desprezado a cultura e alfabetismo popular em detrimento de uma agenda de propaganda no enaltecimento desmesurado de períodos e personagens históricas, que condicionou de sobremaneira a historiografia nacional por largas décadas; outros não desculpam a agenda de massificação cultural e de desinteresse histórico que se verificou por largos anos no pós 25 de Abril. Se num primeiro momento encontramos a criação de mitos (muitos ainda hoje vão perdurando) e o endeusamento em cartilha da nossa história, no segundo momento encontramos o total desrespeito e indiferença pela história, tradições e cultura de um país com quase mil anos de existência...
 
   De "pecado" em "pecado" ardamos pois no "inferno"...
 
   Se evoluirmos enquanto sociedade não teremos dificuldade em singrar qualquer que seja o regime que conscientemente se escolha. Não será de hoje para amanhã que essa mudança vai acontecer, levará tempo, mas para que se cumpra é preciso começar e para a começar é preciso largar de vez estes falsos lugares de conforto que todos, de um modo ou outro vamos ocupando e partir. Assumir o leme nesta nau que é Portugal e encetar a rota que nos leve ao encontro de nós mesmos, enquanto povo, nação, país, inseridos no mundo que nos rodeia mas conscientes de quem somos e das escolhas e caminhos que queremos perfilhar. Sabendo que poderemos ter que fazer sacrifícios, mas que esses são em nossa prol e não para que outros possam lucrar, sabendo que poderemos ter pouco ou nada mas que isso irá conduzir a algo melhor e não apenas a podermos contrair mais dívidas em mercados exteriores daqui por um ou dois anos. Sabendo quem somos, poderemos valorizar e usar o que temos.